sexta-feira, 20 de janeiro de 2012


Teologia da Panela



            Estes dias o que mais tenho feito neste sabático tem sido cozinhar. Vejam como Deus nos prepara para as coisas sem percebermos direito. Antes de tornar este sonho realidade, uma vocação de cozinheiro e uma atração pela cozinha acabaram tomando conta de mim. No final do ano que passou (2011), várias vezes fui levado a cozinhar para minhas mulheres (Odja, Andréa e Alana), meus familiares (Sr. Expedito, D. Nita e meu pai), amigos e irmãos que por amar e admirar, acabamos querendo agradar e impressionar o paladar. Não imaginava que Deus estava me preparando para assumir o papel de chef da família neste tempo sabático.

            Hoje à noite, depois de mais um dia de muito frio (em torno de -6º com algumas variações para mais e para menos) e pouca gente para ver e falar, exercitamos mais um dia de mergulho em nosso processo de auto-conhecimento familiar. Pensando bem, depois destes dias em que estamos confinados em nosso apartamento no Eden Seminary, tenho visto o valor de passarmos um tempo como família, longe das influências e barulhos externos, visando desenvolver a escuta, a solidariedade e a sensibilidade tão rara em nossas casas nos dias atuais. Ficar junto tem seus atropelos e dificuldades, entretanto, crescemos no conhecimento e reconhecimento das nossas raízes.

            Por volta das 21h horário local, fui para cozinha tentar fazer um prato que conheci a poucos dias em um dos jantares de despedida em Maceió, oferecido por Áurea, Joyce, Juliana e Ailton leão. O prato em questão era o cuzcuz marroquino. O bom deste prato é que você fica livre para criar sua própria receita. Fui para cozinha e comecei a pensar nos ingredientes. Aqui tem outra questão: quando estamos longe da nossa terra e da nossa cultura, cozinhar se torna um desafio ainda maior, pois, temos que nos virar com o que vamos encontrando pela frente. A vida é assim mesmo, nem sempre da para vivê-la da forma que planejamos. Nestes instantes o que temos que fazer é buscar os ingredientes disponíveis que a mesma nos oferece e tentar criar usando a imaginação e a criatividade dadas pelo Espírito Santo.

            Fiz todo o processo que li nas receitas disponíveis da internet com a massa do cuzcuz marroquino e comecei o preparo dos vegetais que iria misturar no mesmo: pimentão verde, amarelo, pimenta, tomate, cebola, alface e brócolis. Tudo bem cortadinho no capricho e colocado para refogar com azeite, sal e manteiga a gosto. Foi exatamente neste momento de profundo mergulho culinário que observei algo trivial no fundo daquela panela, que com certeza, você que também gosta de se aventurar na arte da cozinha já observou: o tomate e a cebola que costumam ficar bastante volumosos quando cortados, mesmos que sejam bem picadinhos, tinha sumido quando da primeira fervura junto com  os demais vegetais. Observei que o brócolis, a pimenta vermelha, o alface e os pimentões permaneceram quase intactos, já a cebola e o tomate tinham se diluído na panela. Pronto, surgiu aí a ideia deste texto com cheiro e sabor de comida quentinha. Pensei nas palavras de João Batista quando indagado pelos seus discípulos acerca de Jesus Cristo, que segundo eles estava arrebanhando mais discípulos que o próprio João. Ele respondeu: “É necessário que ele cresça e eu diminua” (João 3:26-30). Lembrei-me também das palavras do apóstolo no segundo capítulo da carta escrita aos Filipenses, descrevendo a atitude que deve ser imitada na vida do Senhor Jesus Cristo: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens...” (Fp. 2:5-7).

            Vejam como podemos ouvir a voz de Deus e pensar teologia até cozinhando. Vivemos dias de profunda disputa entre os seres humanos, disputas estas que nos levam as guerras, geram ódio, preconceito, racismo, acumulo de riqueza, descriminação de toda natureza, usurpação dos direitos alheios entre as pessoas e as nações. Vemos atualmente líderes religiosos em nossas igrejas que deveriam falar menos em nome de Deus e tentar praticar mais as palavras de João Batista e ou tentar imitar o Mestre como descrito pelo apóstolo no livro de Filipenses; tentando a todo custo tornar-se a boca exclusiva de Deus em nossa sociedade contemporânea. São figuras que tem resposta para todas as questões e um julgamento na ponta da língua para cada fraqueza e pecado da raça humana. O mais engraçado é que o Mestre dos Mestres, nosso Salvador e Senhor chamado Jesus Cristo de Nazaré abriu mão desta possibilidade de ser juiz dos homens para amá-los com todas as suas forças, dando a sua própria vida pelos seres humanos fracos e paradoxais como eu e você (João 12:47; 3:16; I João 3:16 e Fp. 2: 8-10).

            A teologia da panela que proponho é muito simples: termos a coragem de desaparecer da cena principal, influenciando o sabor das coisas e da vida sem precisar ser vistos e ou aplaudidos por isto. Fazer como a cebola e o tomate que somem dos olhos do cozinheiro mais são sentidos pelo paladar de quem degusta os pratos. Sumir, sair de cena num tempo em que todos querem ser vistos, nem que sejam como animais enjaulados dentro de casas com câmeras por todos os lados não é fácil. Deixar o palco principal como fez o Senhor Jesus, ficando atrás das cortinas, influenciando pelo exemplo e o poder de palavras que tinha repercussão/força na sua vida e não no seu marketing pessoal é o desafio da teologia que podemos encontrar numa simples panela que vai ao fogo com ingredientes de todas as naturezas. “É necessário que ele cresça e eu diminua” (João 3:30). Creio através da disciplina que este tempo sabático tem começado a me impor/ensinar que quando conseguirmos imitar as palavras e o exemplo de João Batista e tivermos coragem de seguir radicalmente Jesus de Nazaré, o mundo será mais cuidado e amado pela igreja, que vendo o exemplo da mesma desejará conhecer este Deus amoroso que deu seu próprio filho na cruz por amor de homens e mulheres como eu e você (João 3:16).



Wellington Santos

Webster Groves, St. Louis, madrugada do dia 21 de janeiro de 2012