quinta-feira, 26 de abril de 2012


ENJOY LIFE! : Minha palavra do sabático
Nos dois meses que Andréa e Alana estiveram conosco neste tempo sabático decidimos que esse seria o tempo para nós como família.  Planejamos uma viajem de 20 dias de carro pelos Estados Unidos. Grande aventura! Horas e horas de carro, nós quatro fazíamos de tudo: Cantávamos, ouvíamos música, nos maravilhávamos com as coisas novas que víamos, parávamos para comer nos típicos fast food americanos e prosseguíamos por oito, dez horas de  highways. Moments enjoyable!
Alana decidiu ler um livro durante a viagem: Comer, rezar e amar de Elizabeth Gilbert. De quando em vez comentava partes do livro comigo e Wellington. E eu dizia sempre que ela estava fazendo duas viagens. Uma pelas estradas dos EUA e outra através da leitura.
Uma coisa interessante desse livro e que a personagem principal da história faz uma longa viajem por três países bem diferentes em busca de sua recuperação pessoal e em busca de uma palavra, a palavra da sua vida. Enquanto comentávamos a respeito desse detalhe no livro, propus um desafio: que cada um de nós inspirados na ideia do livro escolhesse a nossa palavra do sabático.
Andréa e Alana antes de voltarem ao Brasil escolheram e compartilharam conosco a partir das experiências vividas naqueles dois meses a sua palavra do sabático. E, eu e Wellington teríamos mais dois meses pela frente até escolher a nossa palavra.
Estamos na nossa última semana do sabático e chegou a hora da escolher a minha palavra do sabático. Hoje acordei com a palavra por isso decidi escrever e compartilhar: Enjoy Life” Enjoy quer dizer: desfrutar, deleitar-se, gostar, apreciar, divertir-se ou simplesmente ter prazer, então: Aproveite desfrute da vida. Tenha prazer!
O tempo sabático para mim foi tempo de desfrutar de um tempo único, apreciar das coisas mais simples a mais complexas dessa rica experiência vivida por quatro meses em um lugar bem diferente do que eu vivo. Desfrutar o dia frio com temperaturas que chegou a  - 7º graus, desfrutar os dias de  neve, desfrutar o cenário de um inverno que deixa as ruas desertas com paisagens sombrias , mas com uma beleza e encanto particular. Desfrutar da transição de uma estação para outra. Acompanhar os primeiros sinais da primavera. Descobrir que as flores chegam antes das folhas. Ver a paisagem lentamente sendo transformada: De arvores secas, sem folhas e flores para arvores engravidadas com pequenos botões que vão como que de repente parindo flores das mais diferentes cores e belezas e de repente a folhagem verde parece surgir de um dia para noite. E o que dizer das mudanças nas pessoas quando o sol começa a brilhar (Sunshine)?  As pessoas vão para os parques, praças, ruas. Começam a sorrir e se vestir de forma mais alegre e descontraída. Ficam até mais sorridentes e amigáveis. Acompanhar essas diferentes estações me ajudou a pensar sobre o movimento da vida, nas suas diferentes estações.  Um dia frio, sem sol, sombrio, nebuloso que parece infindável. Mas, de repente outro dia surge. O sol brilha e rompe  as nuvens mais escuras trazendo brilho, vida que se renova e se refaz.
Nem sempre a pressa e agitação nos permite olhar e observar o movimento suave da vida, as  coisas mais simples e belas que nos rodeiam diariamente. Por isso, esse tempo para mim, foi tempo de desfrutar. Desfrutar a essência da vida, com sua beleza simples e profunda.
Mas, o melhor desse tempo sabático foi ter desfrutado da presença total da minha família. Wellington, Andrea e Alana. Ficarmos juntos nos dois primeiros meses do sabático. Foi um prazer a mais que esse tempo nos traria. Ficarmos juntinhos sem agenda a cumprir a não ser a que nós mesmos definíssemos para nós como: visitar um museu, ir a um parque florestal, visitar o jardim botânico. Tomarmos decisões difíceis como: vamos comer hoje no Burger King ou no Arbis? (rsrs)  
Desfrutar do tempo familiar com intensidade sem dividir atenção com outras coisas foi algo especial para nós enquanto família. Desfrutarmos de ter Wellington  como  o nosso “especial cook”, criando e inventado  novos sabores com a magia de um verdadeiro alquimista foi um prazer a mais.  Desfrutei o prazer de ver Alana se deliciando em cada prato que Wellington criava, se divertindo na neve e no frio, se encantando com as coisas novas que ia conhecendo, desfrutei do prazer de ter Andréa tocando e cantando só para gente durante nosso tempo de frio mais recolhidos em casa, desfrutei de cada situação engraçada quando fomos a uma loja ou restaurante para nos comunicarmos em inglês. Desfrutei do prazer de não fazermos nada juntos, só ver o tempo passar lentamente.
Depois veio o tempo sem as meninas. Elas tiveram que retornar ao Brasil e começou o tempo de desfrutarmos apenas do prazer de estarmos um com o outro. We enjoyed together!  Viajamos “long time” juntos. Em uma dessas nossas viagens lemos um livro todo juntos. Eu lia em voz alta enquanto Wellington dirigia e nos deliciávamos com a narrativa alegre e inteligente de Voltaire em A princesa da Babilônia que narra a história de Formosante e de Amazon e mais uma principal protagonista que  é uma fênix, maravilhosa ave, de plumagem belíssima: uma ave mágica, que renasce das próprias cinzas. Três reis disputam a mão de Formosante. Em meio ao cerimonial da disputa surge o jovem desconhecido chamado Amazon. Uma longa história se desenrola com aventuras incríveis em outros países distantes até que possam entregar-se ambos ao amor que estão presdestinados. Desfrutamos da leitura, viajamos na história de Formosante  e Amazon  enquanto íamos para Dayton - Ohio.
Além das viagens nas estradas e nos livros, desfrutamos de encontros com pessoas especiais, reencontros inesperados com pessoas que fizeram parte da nossa história.  Fizemos novos amigos e conhecemos lugares novos. Desfrutamos juntos até os momentos de saudades das meninas, do Jorginho, da IBP. Enfim, desfrutamos da vida intensamente nesses quatro meses sem preocupação com relógio, calendário ou tarefas a cumprir.
Mas, foi também durante o tempo sabático que de longe nos despedimos da vida preciosa de pessoas que de uma foram ou de outra fizeram parte de nossa vida: Robinson Cavalcanti e sua esposa Miriam, Milton Schwantes, Pr. Ari Veloso e o nosso querido irmão Mario Leandro, irmão amado da nossa Igreja que me lembro de que me dizia sempre a mesma coisa quando me encontrava: “ Irmã Odja continue sempre assim, simples como é”. Mas, também de longe acompanhamos chegadas de novas vidas que nos alegraram muito: a Alice, filhinha de Janile e Jânio, o pequeno Ryan, filhinho da Rosaly e Reinaldo e já na marca de nossa chegada a Isa, a pimentinha de Gleice e Renan. Enjoy the new life!
A vida é assim mesmo. Em apenas quatro meses quanta coisa para chorar, mas também quanto coisa para celebrar, por isso : Enjoy life! Não sei quando viveremos outro tempo como este. Esperamos e sonhamos durante dez anos até que fosse possível desfrutar de um tempo assim. Mas, enquanto outro sabático não vem eu quero continuar desfrutando de cada pequeno momento da vida na certeza que cada momento é único e especial.
Concluo com as palavras da sabedoria bíblica popular: ENJOY  life with your wife, whom you love, all the days of this meaningless life that God has given you under the sun – all your meaningless days. For this is your lot in life and in your toilsome labor under the sun.” (Ecclesiastes 9:9)
Webster Groves, MO, 26 de Abril 2012.
Odja Barros

quarta-feira, 25 de abril de 2012


Em nome de Jesus...

            Hoje nós participamos do nosso último culto na capela do Eden Theological Seminary. Todas as quartas e quintas sempre às 10h da manhã os sinos tocam convidando toda comunidade acadêmica do seminário para o momento de culto. Depois de uma bela canção interpretada por uma jovem afro americana que levou todos a uma profunda contrição, o Rev. Dr. Dwight Stinnett (Chief executive officer of American baptists), foi convidado para proferir o sermão da ocasião, leu o texto de Atos 4:5-12 (E aconteceu, no dia seguinte, reunirem-se em Jerusalém os seus principais, os anciãos, os escribas, E Anás, o sumo sacerdote, e Caifás, e João, e Alexandre, e todos quantos havia da linhagem do sumo sacerdote. E, pondo-os no meio, perguntaram: Com que poder ou em nome de quem fizestes isto?
Então Pedro, cheio do Espírito Santo, lhes disse: Principais do povo, e vós, anciãos de Israel, Visto que hoje somos interrogados acerca do benefício feito a um homem enfermo, e do modo como foi curado, Seja conhecido de vós todos, e de todo o povo de Israel, que em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, aquele a quem vós crucificastes e a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, em nome desse é que este está são diante de vós. Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina. E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos”.
) e baseado no mesmo fez a exposição bíblica. Confesso que com meu inglês frágil consegui entender sozinho muito pouco, entretanto, com a ajuda especial da minha tradutora Odja Barros as coisas ficaram mais claras. Resolvi escrever sobre esta experiência, pelo fato de que pelo pouco que consegui captar sozinho, fiquei com meu coração em brasas com algumas afirmações feitas pelo Dr. Dwight. Um destaque feito por ele que aqueceu  meu coração foi quando o mesmo destacou que ao indagarem Pedro acerca do milagre ocorrido na porta do templo em Jerusalém (Atos 3:1-10), a resposta dada pelo apóstolo não foi rebuscada de palavras bonitas, bem elaboradas e recheadas de muita filosofia e teologia, foi uma resposta simples e direta que apontava para o poder que há no nome de Jesus de Nazaré. Fiquei pensando na hora que corremos um grande perigo de burocratizar e enclausurar o nome de Jesus dentro de doutrinas e discursos moralistas por parte dos que se dizem conservadores e fundamentalistas, mais que também corremos o perigo de enfraquecer e reduzir o nome de Jesus dentro de discursos políticos e progressistas, reduzindo Jesus de Nazaré a um mero ativista social. Precisamos ficar atentos aos perigos que nos cercam de ambos os lados. Pensei em tantos marginalizados nas portas dos nossos templos (igrejas, assembleias legislativas, palácios governamentais, etc.) que estão jogados ao esquecimento. Pensei em inúmeros casos de pessoas que sofrem com outros tipos de marginalização e esquecimento por parte da nossa sociedade. Para estas pessoas o que menos importa, na minha experiência ministerial nestes 20 anos de caminhada, é se faremos um discurso espiritual ou social no primeiro contato, se denunciaremos o pecado moral ou social que as conduziu até aquele patamar de vida, se iremos querer transformá-las em discípulos enclausurados nas quatro paredes das nossas igrejas ou se iremos conscientizá-los e politizá-los para que possam se tornar agentes de mudança na sociedade. O que muda as pessoas é o poder que há no nome de Jesus. O que muda as pessoas é nossa capacidade de abraçá-las e demonstrar amor independente da sua condição social, sexual, política, econômica. Creio que precisamos todos e todas que labutam em nome do evangelho, independentemente do lado que esteja (Conservador ou progressista) do poder de Deus que há no nome de Jesus, afim de que nossas ações sejam duradouras e consistentes.
            No final do sermão o Dr. Dwight contou uma experiência pastoral das muitas vividas em sua caminhada. Vi muitas pessoas enxugando as lágrimas e Odja muito compungida. Entendi no início ele falar de um jovem de 16 anos que gostava de jogar basketball. Depois entendi ele citar várias vezes a palavra hospital. No final Odja me disse que ele estava falando de um jovem da sua comunidade que com 16 anos foi diagnosticado com câncer. Ele falou que numa noite, o pai deste jovem ligou para ele pedindo que fosse ao hospital, pois, seu filho tinha muitas dores e não conseguia dormir a muito tempo. O Dr. Dwight colocou para todos que apesar de falar 5 idiomas naquele instante ficou sem saber o que diria direito. Mesmo assim foi até o hospital e cheio de compaixão falou do nome de Jesus para aquele adolescente, que 5 minutos depois estava dormindo num sono profundo. O Dr. Dwight concluiu seu sermão com a seguinte frase: “Nós fazemos por causa de Jesus”. Não tive como não lembrar imediatamente da nossa querida e saudosa Sheila que cheia de dor também por causa do câncer, conseguia cantar, sorrir um pouco e relaxar por alguns instantes quando das nossas visitas. Não tive como não lembrar das várias vezes que fiquei cantando ao redor da cama da nossa querida irmã Noêmia, numa tentativa esperançosa de que aqueles hinos trouxessem alívio para sua alma. Lembrei de tantas horas em hospitais, sepultamentos e maternidades. Lembrei de algumas vezes que fui parar dentro das grotas e guetos em busca de algumas ovelhas um pouquinho arredias, porém queridas e muito valiosas para o Sumo Pastor. Tudo que um pastor e um discípulo faz em sua jornada no cumprimento da missão precisa ser feito no poder que há no nome precioso do Senhor Jesus de Nazaré. Sozinhos, pela nossa própria capacidade, inteligência e espiritualidade não somos nem nunca seremos capazes de orar pela cura dos enfermos, abraçar os marginalizados, confrontar os poderosos, denunciar a corrupção e a concentração de renda, abrir mão dos nossos preconceitos para receber aqueles e aquelas que são diferentes de nós, demonstrar amor em todas as ocasiões e viver uma vida para além dos nossos próprios projetos pessoais. Precisamos do poder que há no nome de Jesus e da capacitação do Espírito Santo para seguirmos em frente.
            Eu carrego na minha vida áreas que precisam e serão transformadas pelo poder que há no nome de Jesus. Todos carregamos algo que precisa ser tratado pelo Espírito Santo de Deus. Meu convite é que num primeiro momento cada um e cada uma de nós nos ocupemos em cuidar do nosso relacionamento pessoal com Deus, buscando saúde integral plena para nossas vidas. Num segundo instante, pela força que há no nome de Jesus, nós possamos, cada um no seu espaço, buscar toda graça, amor, misericórdia e poder que há no nome de Jesus para materializarmos os valores do Reino de Deus entre os homens e mulheres de todos os lugares desta terra. Por falar em Reino de Deus nunca é demais lembrar as palavras bíblicas que dizem: “Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Romanos 14:17) e “A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram” (Salmos 85:10). Creio que cheios do poder que há no nome de Jesus de Nazaré seremos capazes de vencer nossas diferenças, unirmos nossas forças, abrirmos mão dos nossos preconceitos e proclamarmos a graça redentora do nosso bondoso Deus em todos os lugares desta terra com suas peculiaridades. Que em nome de Jesus nós possamos estender as mãos e os braços para todos e todas que vierem até nós.

Webster Groves, MO, 26 de abril de 2012
Wellington Santos

segunda-feira, 2 de abril de 2012



Quebrando Paradigmas na Escola da Vida
Três finais de semana de grande impacto na minha vida
Púlpito em que o Pr. Martin Luther King Jr. pregou o famoso sermão I Have a Dream...
 
            Aprendi logo cedo com minha mãe e minha tia (Eurides e Rivanda respectivamente) que a melhor escola disponível no mundo é a escola da vida. Nesta escola todos e todas, sem descriminação de nenhuma espécie, são convidados e convidadas para o processo educativo que se inicia todos os dias. Uma das coisas interessantes desta escola é que nela todos e todas são alunos e alunas e ao mesmo tempo professores e professoras. Os papéis mudam de quando em quando. É obvio que alguns não admitem de forma alguma, talvez pela titularidade que a escola formal lhes concedeu, assumir quando necessário o lugar de alunos. Grande engano e ignorância, pois na escola da vida o que menos tem importância são os títulos e as graduações realizadas dentro das nossas famosas salas de aula. Os títulos e as graduações formais são importantes quando nos ajudam no processo de tornar nossa visão e sensibilidade para o movimento da vida, com suas nuances complexas e quase sempre misturadas, mais acuradas para enxergarmos e sentirmos o que muitas vezes num primeiro e rápido olhar não é possível se perceber.
            Este tempo sabático que o Espírito de Deus nos concedeu através da ousada visão e compromisso da minha querida Igreja Batista do Pinheiro, tem sido uma escola intensa de vida. Todos os dias temos aulas nesta escola. As lições são intensas e diversas. Um tempo rico de muita reflexão e aprendizado, ou talvez – vou ousar fazer um paralelo com o grande escritor Rubem Alves –, um tempo rico de muita reflexão e muita desaprendizagem para finalmente acontecer alguma aprendizagem. Li certa vez num dos livros de Rubem Alves que precisamos primeiro desarrumar a casa para só depois podermos arrumá-la direito. Creio que o Espírito Santo de Deus que é o grande diretor da escola da vida, está permitindo o processo de desarrumação e arrumação nas aulas diárias que temos tido por aqui.
            Nos últimos três finais de semana tive a oportunidade junto com Odja de conhecer três estados americanos junto com algumas cidades diferentes que nos trouxeram grandes lições, e acredito irão provocar mudanças em nossas vidas por muitos e longos anos. No Tenesse visitamos a cidade de Memphis, no Mississipi conhecemos as cidades de Jackson e Clinton, e neste último final de semana estivemos em Ohio, na cidade de Dayton. O que cada visita teve de tão especial para provocar tantas mudanças e reflexões em nossa forma de ver e sentir o mundo ao nosso redor?
Motel Lorraine in Memphis-TN
Mason Temple in Memphis-TN
Local em que o Pr. Martin Luther King foi assassinado...
Lápide em frente ao quarto do Motel Lorraine in Memphis
            Na cidade de Memphis fomos impactados com a visita ao National Civil Rights Musuem mais especificamente o Motel Lorraine, local onde em 04 de abril de 1968 o pastor Martin Luther King Jr., Nobel da Paz e líder na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, foi barbaramente assassinado pela loucura do ódio racial. O Motel Lorraine foi transformado num museu que retrata toda a luta dos negros americanos pelo fim do racismo oficializado que havia no país. Fui às lágrimas várias vezes naquele local. Fotos absurdas de seres humanos, irmãos e irmãs de pele escura, pendurados em arvores pelo pescoço, com os pés e as mãos cortadas e o corpo ateado fogo como fruto de punição por ter nascido negro. Lembro-me de ter parado tomado de terror diante de uma roupa branca com um grande capuz branco usado pela KKK (Ku Kux Klan), grupo de brancos protestantes de maioria Batista. Faço questão de destacar com profunda vergonha, dor e tristeza, para não esquecermos e corrermos o risco de repetir de outras formas, que em nome de Deus matavam e incendiavam igrejas de negros perseguindo-os como se fossem animais a serem exterminados. Quanta dor e tristeza senti naquele local. Ainda em Memphis visitamos a Mason Temple Church of God in Christ, igreja evangélica negra em que um dia antes de ser assassinado o Pr. Martin Luther King Jr. proferiu seu último sermão no dia 03 de abril de 1968. Ali mesmo por trás da imponente e histórica Mason Temple cultuamos a Deus num domingo ensolarado numa pequena Igreja Batista negra e fomos tomados de um verdadeiro arrebatamento espiritual. É simplesmente maravilhosa e indescritível a experiência de cultuar a Deus no meio de tanta alegria e louvor. Em Memphis senti o Espírito Santo de Deus falando ao meu coração e dizendo “siga em frente, a luta ainda não acabou!”. Existe muita injustiça, miséria, preconceito, ódio religioso e de tantas outras categorias, abuso de poder, desrespeito aos direitos humanos, destruição da natureza que precisa ser respeitada e preservada visando uma relação harmoniosa com a mesma. Enfim, a mão que apertou o gatilho da arma que matou o Pr. Martin Luther King Jr. continua apertando outros gatilhos e matando muitas vidas inocentes ao redor da terra. Meu coração se encheu de compaixão e de coragem para seguir em frente na luta em defesa dos pequeninos de Deus, daqueles e daquelas que continuam sem voz.
Família e amigos do Pr. Stan...
            Nas cidades de Jackson e Clinton fomos tomados de carinho e cuidado. Primeiro da nossa amiga Debbie Pierce que nos conduziu até sua cidade natal, dirigindo 7 horas na ida e 7 horas na volta. Em Jackson fomos recebidos na casa do casal de missionários aposentados (Edward e Freda Trott pais da nossa amiga Debbie) da Junta de Richmond, aqui mais conhecida como Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos. Muito carinho, amor e atenção. Nos sentimos sendo recebidos literalmente pelos nossos pais. Muitas conversas e histórias sobre o trabalho batista em Sergipe nas décadas de 1950 e 1960. Sobre este encontro escrevi um texto anteriormente postado em nosso blog com o título de Um Encontro Emocionante, viajando na história e no tempo com o casal Trott. Fomos para cidade de Clinton onde fomos recebidos pela família do Pr. Stan Wilson, pastor sênior da Northside Baptist Church, igreja filiada a Alliance Of Baptist. O Pr. Stan, junto com sua família (Jeneffer, sua esposa, e suas filhas Jane, de 10 anos e Katie de 7 anos) decidiu morar num pequena fazenda fora da cidade desenvolvendo um estilo de vida simples e muito peculiar. Fomos recebidos na mesa da família, junto com um casal de amigos da igreja e um amigo nosso comum de Nashiville, que é o David Gooch, com muito carinho e uma boa conversa sobre teologia e missão da igreja. A Northside Baptist Church está fechando uma parceria com nossa igreja-irmã, a Igreja Batista dos Bultrins em Olinda-PE. No domingo fomos juntos a igreja onde Odja deu uma rápida palavra à igreja em nome da Aliança de Batistas do Brasil e eu acabei ensinando a igreja a cantar uma música em português. O encontro com estas duas famílias num mesmo final de semana, de diferentes e distantes idades, posição teológica e visão de mundo diferentes, nos ensinaram que a mesa é de fato um lugar comum quando há disposição para ser acolhido e acolher com bons olhos, bons ouvidos e coração aberto.
Família do Pr. Mike...
            No último final de semana estivemos na cidade de Dayton. Na Cross Creek Community Church fomos mais uma vez muito bem recebidos e acolhidos. Participamos da celebração pregando e cantando nos três cultos (sábado e domingo). Uma coisa maravilhosa se repetiu naquela igreja e naqueles cultos, idêntica ao que tinha acontecido conosco na Igreja Batista Negra em Memphis. Fomos tomados de forte emoção e graça que nos levaram às lágrimas e ao compromisso de continuar lutando pela dignidade da vida entre todos e todas. Na pregação da minha amada amiga, esposa e companheira de caminhada ministerial Prª Odja Barros, refletindo sobre a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém sentado num jumentinho em cumprimento as profecias de Zacarias no AT (reflexão postada no blog com o título Bendito o que vem em nome do Senhor! Aclamar ou seguir?). As palavras que já tinha lido antes por conta da postagem no blog me atingiram fortemente durante a exposição dela no púlpito daquela igreja: O primeiro ensino e desafio desse gesto profético de Jesus é que ele decidiu fazer o caminho passando em Jerusalém. Não evitou entrar no lugar onde muitos profetas foram mortos. Mesmo sabendo que corria o risco de perder a vida, Jesus segue na geografia do caminho traçada pelo projeto do Pai e precisava marchar para Jerusalém e confrontar-se com os poderes estabelecidos. Jesus passou a noite em Betânia casa de amigos que o amavam: Marta, Maria e Lazaro. Poderia optar ficar lá e de lá voltar para as aldeias da Galileia. E talvez morrer tranquilamente em sua cidade, mas ele decide entrar em Jerusalém e enfrentar o caminho da cruz.... Mas, é bom lembrar que esse caminho não era um destino, como uma predestinação, mas foi fruto da escolha que fez em ser o messias de acordo com a profecia de Zacarias, Isaías e do canto de Maria: O messias dos pobres de Deus.  Isso nos ensina que o seguimento de Jesus leva a cruz, pois a vivencia das atitudes e opções Dele vai nos colocar em conflito com os poderes contrários ao Evangelho. Nos ensina que precisamos aprender com Ele a entrarmos nos “lugares que matam profetas” quando for necessário. Isso me faz lembrar a memória do Pr. Martin Luther King Jr. Ele também inspirado nesse exemplo de Jesus não pode e não quis evitar fazer o caminho que o conduziria à morte. Ele entrou na terra que mata profetas e denunciou de dentro as injustiças e por isso não por destino, mas por escolha deu a sua vida por amor de muitos. Qual o caminho que eu e você temos feito? Temos tido coragem de entrar nos lugares que matam profetas? Estamos dispostos a dar nossa vida por amor de muitos?”. Fiquei com algumas frases na cabeça: “morrer tranquilo; geografia traçada pelo Pai; entrar na terra que mata profetas; etc”. Nestes mesmos cultos fui convidado a cantar duas músicas que não conhecia e que tive que aprender no sábado pela manhã para cantá-las nos cultos do sábado e domingo. A primeira música intitulada de “Amor que por amor me amaste” em sua terceira estrofe diz o seguinte: Amor, que tudo me perdoas; amor, que até mesmo abençoas um réu de quem tu te afeiçoas, a ti me entrego sem temer, sem nada compreender. A outra canção tem por título “Pelas dores deste mundo”: Pelas dores deste mundo, ó Senhor, imploramos piedade. A um só tempo geme a criação. Teus ouvidos se inclinem ao clamor desta gente oprimida. Apressa-te com tua salvação. A tua paz, bendita e irmanada com a justiça, abrace o mundo inteiro. Tem compaixão! O teu poder sustente o testemunho do teu povo. Teu reino venha a nós! Kyrie eleison (Senhor tem misericórdia). Confesso que não pude conter minhas lágrimas ao cantar estas músicas. Primeiro pelo fato de que até hoje não compreendo tamanho amor que Deus teve por mim quando me atraiu até sua presença, salvando-me de mim mesmo e honrando-me através do chamado para o santo ministério pastoral. Até hoje não me sinto digno de ocupar tal lugar. Em segundo lugar minha emoção explodiu em definitivo naquele culto, quando após ter acabado de ouvir Odja pregar sobre a coragem que Jesus teve para entrar em Jerusalém, obedecendo à geografia traçada pelo Pai para sua vida, passando pelo lugar que matava profetas, podendo ter desistido da missão e retornado para morrer tranquilo e velho em sua aldeia em Nazaré, olhava para a congregação à minha frente enxergando um jovem travesti sentado livremente me ouvindo cantar “Teus ouvidos se inclinem ao clamor desta gente oprimida”. Apressa-te com tua salvação. A tua paz, bendita e irmanada com a justiça, abrace o mundo inteiro. Tem compaixão...”. Meus irmãos e irmãs, a Croos Creek Community Church tem 15 anos de organização como igreja independente. Sua história é idêntica à maioria das igrejas que ousaram fazer um caminho contrário ao da maioria. Parte dos seus membros fundadores foram excluídos das suas igrejas de origem pelo fato de serem homossexuais. Outros se juntaram à comunidade em busca de um lugar onde pudessem adorar a Deus sem se sentirem culpados, e outros ainda tornaram-se membros por acreditarem que é preciso construir lugares de resistência teológica de caráter mais progressista. Hoje a igreja possui 200 membros, e nas palavras do Pr. Mike, “metade se identifica como homossexual e a outra metade heterossexual”. Conversando com o Pr. Mike sobre sua história de vida, vocação e caminhada pastoral, a mesma se identifica com milhares de histórias que tenho visto, ouvido e acompanhado. Nascido numa família cristã protestante tradicional, foi educado na igreja desde criança. Na adolescência sentiu-se chamado para o ministério. Estudou no Seminário Batista da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, formou-se, foi ordenado e depois de alguns anos acabou sendo convidado a deixar a igreja pelo fato de não conseguir mais lutar com sua natureza homossexual. Após alguns anos de luta e conflitos interiores, resolveu assumir sua postura e nas suas palavras sentiu-se finalmente livre e em paz diante de Deus para dar continuidade ao seu chamado vocacional e pastoral. Hoje ele é doutor em teologia, ajudou na fundação da Cross Creek Comunity Church e é o atual pastor sênior da igreja. Pr. Mike vive há 11 anos com seu companheiro Dan e juntos tem dois filhos que foram adotados oficialmente desde os primeiros dias de vida que hoje possuem 9 (Gideon) e 4 (Adin) anos de idade respectivamente. Fui recebido nesta casa normal, apesar de ser propalada aos quatro ventos em nosso país que isto é uma anormalidade, de forma idêntica as demais recepções que tive em Jackson e Clinton no Mississipi. Foi um final de semana tranquilo, com uma família vivendo uma vida simples, com disciplina e conduta cristã. Pude ver duas crianças saudáveis, que provavelmente não teriam um futuro cercadas de amor, respeito, família (avós, tios, primos, etc.), cuidado e tudo que uma criança precisa para crescer tranquila e com equilíbrio físico, espiritual e social. Estes dois pequeninos foram adotados oficialmente por Mike e Dan. Suas genitoras foram jovens que se envolveram em drogas e não queriam os bebês. Pela intervenção de Deus e disponibilidade dos dois, eles foram salvos da invisibilidade social. Podiam ter sido abortados e/ou jogados nos muitos lugares que abrigam crianças sem pai e mãe, a exemplo de milhares de crianças que estão jogadas em nossos orfanatos como se fossem objetos indesejados da sociedade. Muitos que fazem belos discursos, citando a Bíblia contra a adoção de crianças por homossexuais, não demonstram a mesma disposição na hora de abrir seus corações para acolher aqueles e aquelas que são indesejados, sem ter escolha, ainda no útero. Neste lar, como em qualquer outro lar cristão, vi oração na mesa para dar graças pelo alimento, leitura da bíblia para as crianças, muito afeto e carinho por parte dos seus pais para com as crianças e muito carinho e afeto da parte das crianças para com seus pais. Lembrei-me das palavras de Jesus: “Se seus olhos forem bons...” (Mateus 6:22-23).
            Chegamos ao nosso apartamento em Webster Groves-MO por volta das 21h. Foram quase 7 horas dirigindo, conversando, chorando e orando no carro. Minha mente não parava de funcionar. Ficava pensando em tudo que tinha visto, testemunhado, e vivido naqueles dois dias. Confesso que pensei em não escrever sobre este final de semana. Deixar passar de largo como se nada tivesse acontecido. Entretanto, disse para Mike e Dan que não podia deixar de falar, escrever e testemunhar o que estava vendo e ouvindo naquele lugar. Depois de ser exortado pelo Espírito de Deus a não acovardar-me diante das ameaças, intimidações e ou sanções que poderei vir a sofrer no futuro por conta desta experiência que julgo rica para minha vida, sem demonizá-la nem ignorá-la, colocando-me pronto para aprender e ouvir com respeito e sensibilidade a história do outro, vou seguindo em frente pronto a se preciso for entrar na geografia que “mata profetas”. Esta estrada é muito difícil, perigosa e delicada para quem resolve tirar a máscara e assumir sua condição, como também é difícil e perigosa para quem decide, não por falta de escolha, segui-la lutando pelo direito de todos e todas viverem em harmonia nesta terra. Liguei a televisão e rapidamente assisti a um programa evangélico, onde um pastor de uns 40 e poucos anos pregava uma mensagem que repetia o tempo todo que Deus cumpre suas promessas, vestindo um terno maravilhoso, num mega templo lotado e paralisado de atenção em torno da sua exposição. Pensei comigo: eu acho que deveria abraçar este caminho. Seria aplaudido em vez de criticado com veemência, não teria minha fé, vocação e vida questionadas por resolver defender o direito das pessoas, não ouviria alguns dizerem que estou rasgando a Bíblia por sentar à mesa e me colocar como aluno da escola da vida aberto para aprender. Enfim, teria uma vida mais tranquila e carregada de admiração.
            Não quero fazer ninguém sofrer com minhas posturas e visão de mundo. Não desejo levantar bandeira de grupo A ou B, não tenho pretensão de estar certo ou errado. Apenas não costumo até aqui me esquivar de obedecer ao Espírito da Vida, indo às mesas, igrejas, lugares e casas mais diferentes possíveis como aluno atento da escola da vida. Não posso deixar de testemunhar neste espaço que o que experimentei com as famílias cristãs heterossexuais em Jackson e Clinton não foi diferente do que experimentei em Dayton neste final de semana. Apostasia? Se for assim que você, que está lendo este texto, decidir chamar minhas palavras, o que posso fazer? Neste momento, meu coração experimenta um misto de coragem e terror. Entretanto, vou repetir: estes três finais de semana mudaram a minha vida para sempre. Não vou voltar atrás, não preciso de aplausos para seguir em frente. Prestarei contas ao meu Senhor e direi para Ele no final de tudo: me arrisquei como o Senhor se arriscou quando se colocou a frente de pecadoras, quando sentou as mesas de pessoas consideradas indignas e quando optou por entrar em Jerusalém sabendo que aquela aclamação toda resultaria em humilhação, morte e cruz. Sei o quanto é importante ser acolhido com amor e carinho. Já estive na pele daquelas crianças, sei que para elas não importa o nome que se dá a sua família (benção ou apostasia?). Vi nas filhas do Pr. Stan e nos filhos do Pr. Mike alegria, serenidade, cuidado e muito amor resultado do que tem recebido no dia a dia. Certa vez Nelson Mandela disse algo parecido com isto: “Ninguém nasce odiando os outros pela cor da pele, condição socioeconômica, religião diferente e ou condição sexual. Se aprendem a odiar, também são capazes de aprender a amar”. Sei que muitos perguntarão pela Bíblia e os textos que falam isto e aquilo. Não tenho resposta para todos os textos nem quero abrir aqui um debate teológico e ou hermenêutico sobre o tema. Apenas penso que o Senhor Jesus teve coragem para reler alguns textos do AT na sua época. Ele é a minha inspiração. Agora, se você prefere ficar com o discurso dos Bolsonarianos, Malafaianos e tantos outros, a decisão é sua!
            Na escola da vida nós não definimos o currículo. Apenas temos a liberdade de não querer passar por esta ou aquela matéria. A missão da igreja é ditada pelo caminho. Como diria o Pr. Clemir Fernandes: “A agenda da igreja é ditada pelo caminho como foi à agenda de Jesus. No caminho nós não escolhemos a agenda da missão, e sim somos escolhidos por ela”. Cabe a nós dizer sim ou não. Não precisamos abraçar toda a agenda do mundo, entretanto, também creio que ignorá-la não seria prudente. Que Deus nos ajude a estarmos abertos e sensíveis às matérias que o Espírito nos convidará a aprender em nossa peregrinação terrena na grande escola da vida.

Webster Groves-MO, 02 de abril de 2012
Pr. Wellington Santos
Odja, Gedeon e Adin no café da manhã

Eu, Adin e Gedeon...
Família do Pr. Mike...
Odja e a família do Pr. Stan...
Eu, Pr. Stan, Jane e Katie...