sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Os dois livros de Deus: A vida e a Bíblia
“Os dois livros de Deus”. Esse é o título de um texto do biblista Carlos Mesters onde ele lembra as seguintes palavras de Santo Agostinho: “Deus escreveu dois livros: O da vida, da criação e a Bíblia. O primeiro livro não é a Bíblia, mas, sim, a criação, a natureza, a vida.” A partir dessas palavras escreve Mesters: “É pelo Livro da Vida que Deus quer falar conosco. Deus criou as coisas falando. Ele disse: “Luz!”. E a luz começou a existir. Tudo que existe é a expressão de uma palavra divina. Cada ser humano é uma palavra ambulante de Deus. Será que nós temos consciência disso? Muita gente olha a natureza e não se lembra de Deus. Já não nos damos conta de estarmos vivendo no meio do livro de Deus e de sermos uma página viva deste livro divino. Agostinho diz que foi o pecado, isto é, nossa mania de querer dominar tudo e de achar que somos donos de tudo que nos fez perder o olhar da contemplação. Já não conseguimos descobrir a fala de Deus no Livro da Vida. Segundo Agostinho a Bíblia foi escrita para ajudar a entender melhor o livro da vida.  A leitura da Bíblia deveria nos devolver o olhar da contemplação e nos ajudar a decifrar o mundo e a fazer com que o universo se torne novamente uma revelação de Deus, e volte a ser o que é: “O Primeiro Livro de Deus” para nós.” (Os dois livros de Deus – Carlos Mesters)
O livro de Deus que li esta semana
Estes dias  de adaptação numa nova rotina de vida, onde estamos vivenciando outra cultura, outro idioma, outros sabores passei mais tempo lendo o primeiro livro de Deus do que o segundo.
 A primeira página do livro de Deus que li esta semana chama-se Nell, a primeira voz e braços que nos acolheram nos Estados Unidos. Ela como mãe preparou a nossa chegada, limpou nosso apartamento, preparou com tudo que iríamos precisar, colocou roupas de frio, comida, (comprou até cuscuz marroquino, valeu a intenção! rsrs).  Todos os dias ela telefona ou manda e-mail para saber o que necessitamos ou simplesmente aparece trazendo uma meia, um agasalho a mais. Essa página do livro da vida que estou  lendo  me desafia a saber cuidar.
Uma segunda página desse livro que li esta semana chama-se Dorothy e Raymond, um casal que vive a mais de vinte anos no Betesda , uma espécie de condomínio  residencial de pessoas idosas.  Eles nos convidaram para jantar e foram de forma gentil, andando até o nosso apartamento nos buscar para o jantar junto com os demais idosos que ali residem (Raymond fará 90 anos este ano). Todos tem seu apartamento, mas o jantar é servido em uma espécie de restaurante comum, onde são servidos por jovens garçons e garçonetes. Passamos algumas horas com eles depois do jantar olhando fotos e souvenir de suas viagens pelo mundo quando eram mais jovens, depois jogamos dominó. Essa página do livro que eu li me fez pensar o quanto não existe situações ideais. Pensei o quanto talvez fosse bom que aqueles idosos estivessem tendo convívio com suas famílias, mas também pensei o quanto falta para a maioria dos nossos idosos o cuidado e dignidade que eu vi naquele lugar.
 Uma terceira página que li esta semana tem o rosto de mulheres imigrantes: mexicana, iraquiana, afegã, russa, chinesa esses diferentes rostos me falaram sobre a da vida de pessoas estrangeiras buscando vida melhor fora de sua pátria. Num encontro de comunhão internacional na terceira Igreja Batista de St. Louis conhecemos um grupo de pessoas que se encontram toda quarta-feira para aprender e praticar  o inglês americano, saber sobre cidadania americana e fazer trabalhos manuais É um bom trabalho da Igreja que tenta integrar pessoas que estão chegando e precisavam de referencia. Pensei o quanto a Igreja pode ser um espaço de serviço para pessoas que estão fora do seu País, cultura e seus familiares. Lembrei dos primeiros cristãos, muitos dispersos que encontravam nas comunidades cristãs a “Casa Comum”. Terminei esse encontro sentado numa mesa com algumas mulheres estrangeiras costurando e enquanto fazia isso pensava sobre a teologia da vida como uma grande costura e o quanto é desafiador fazer teologia a partir do cotidiano da vida, das coisas mais ordinárias da vida. Pensei no desafio de agir localmente, mas pensar globalmente, porque o mundo é diverso e as realidades das pessoas muito mais. Pensei o quanto não podemos e não devemos estereotipar pessoas e culturas e no quanto fui positivamente surpreendida com as pessoas e situações vivenciadas.  
Estas foram algumas páginas do livro da vida que eu li esta semana. Estas foram as palavras de revelação de Deus para mim. Palavras vivas que me trouxeram inspiração e desafios.  Páginas do livro da vida que nem sempre consigo ler e comtemplar no dia a dia.
Odja Barros
Webster Groves, St. Louis, 19 de janeiro de 2012